As ilusões de estabilidade e de controle derivam dos nossos anseios por segurança, e parece que a vida insiste em se manter inflexível em nos mostrar que não brindaremos champagne com a frequência que gostaríamos, como se as adversidades fossem de alguma forma naturalmente necessárias, jogando por terra o conceito de felicidade permanente.

O cidadão que abre os olhos em mais um alvorecer não saberá como o seu dia sucederá até o seu final; a mãe que leva o seu filho para a escola segurando-o cuidadosamente pela mão, não faz a mínima ideia do que reserva o processo entre a entrada e o sinal de saída; o casal que jura estar junto até que a morte venha a os separar, aposta que os sentimentos envolvidos superarão os efeitos do “eterno vir a ser” dos indivíduos que Jean Paul Sartre afirmou; o contrato é assinado com a esperança de que as partes cumprirão suas obrigações até a expiração do mesmo; o hambúrguer é consumido com as juras de que, caloria por caloria, serão eliminadas na próxima corrida; a mulher que engravida aposta visceralmente no sucesso do seu maior projeto; o fiel crê em uma redenção em outro plano; o jogador  deposita a sua fé no girar da roleta a seu favor, ou na combinação bem sucedida dos números marcados no bilhete…vivemos por aposta, por fé, na crença de que chegaremos em um bom lugar por fazermos tudo da melhor forma possível, mas a certeza que temos é de que nada nada é garantido.

Racionalizando o temor de morrer, ouso dizer que tal sentimento não se refere diretamente à inevitável finitude dos nossos dias, mas sim de um possível processo doloroso que a preceda, ou até mesmo às incertezas do que há de vir, como a possível existência em algum outro plano, que pode ser bem sucedida ou não, dependendo da crença de cada um. Racionalizando, ainda, será que podemos conceber a presença de morte e vida juntas em um mesmo indivíduo? A vida e a morte não podem ocupar um mesmo espaço em um mesmo corpo, ou seja, quando a morte chega já não existimos mais, já não estamos mais, já não somos mais, de forma que o temor de um dia “encontrá-la”, racionalmente falando, se torna sem sentido.

A vida nos brinda com um começo, um meio e um fim, estando em nossa responsabilidade a melhor condução possível do “meio”, o nascer e o morrer coincidem por um “acionar de botão” que nunca será pelos nossos próprios dedos, a nossa concepção foi ajustada dentro das possibilidades dos nossos pais, e o nosso final virá, inevitavelmente virá, seja por pandemia, seja por dormir no volante, seja por derrame, seja por infarto, seja por tropeço na rua…o motivo interessará ao médico legista, para quem finaliza este processo  pouco importa o porquê, importa sim que façamos valer “o meio do caminho”, o nascer e o deixar de viver são eventos pequeníssimos se comparados com a trajetória. Façamos valer a pena!

Fábio de Almeida Machado

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